Eu tenho epilepsia.

Dizê-lo torna tudo demasiado real.
Escrevê-lo torna tudo demasiado intenso.
Pensá-lo torna tudo demasiado vivido.

E sentir?
Viver é sentir. Sentir é viver.▽


Somos abençoados com esta oportunidade de viver, começamos por querer controlar cada passo que damos, cada ação que realizamos, cada pensamento… E acabamos a funcionar em piloto automático na maior parte do nosso dia-a-dia. Onde está esse controlo afinal? Em lado nenhum, porque, em boa verdade, há muito pouca coisa que conseguimos controlar nesta vida.

Como posso descrever o que sinto quando o curto circuito acontece? “Oh não!! Lá vou eu outra vez!!”. E a montanha russa sensorial, cognitiva, emocional, visual começa. É como se mergulhasse numa realidade paralela, descolando-me de mim mesma por breves segundos. Essa realidade paralela é um poço de nada, e de tudo. Há espaço para sonhos distorcidos, realidades distantes e seres desconhecidos. Há espaço para vivenciar tudo e não sentir nada. Há espaço para sentir tudo e não sobrar nada. Há espaço para ser e não ser. E no fim, o que fica? O vazio, o silêncio, o peso no corpo, as dores, e a angústia. Respiro. Observo como posso. E respiro. Deixo que o corpo regresse a si mesmo, regule a temperatura e aconchego-me nele, em mim. No cansaço desta viagem, e deixo-me sossegar.

É tudo muito rápido, mas as marcas permanecem. A viagem parece que não termina ali, e fico a pairar sem rumo, sem tempo, sem destino. Num limbo entre a realidade paralela e a realidade propriamente dita. Num limbo entre um eu cá e um eu lá. O que fica são rastos de que algo aconteceu mas que não era suposto. Ficam as dores, físicas e emocionais. Nesse limbo tudo é intenso e desproporcionado. Nesse limbo não há espaço para a razão, apenas para a emoção.


Ao longo destes anos todos de convivência com a epilepsia tenho aprendido muito com ela, e ela comigo, certamente. Depois de começar por rejeitar o diagnóstico, quando cheguei à aceitação descobri que me trouxe leveza, e libertação. Não me libertou do sofrimento, da angústia e da dor que esta relação me traz, mas libertou-me dos condicionamentos que a minha mente me estava a impôr. Eu não sou a epilepsia, eu tenho sim esta patologia, mas a minha felicidade não tem que ser condicionada pela epilepsia. Não tenho que a ignorar, nem tão pouco esquecer. Tenho sim que procurar o caminho que me permita viver em harmonia com ela.

Culpa.
Ansiedade.
Sentimentos sombra. Sentimentos que minam a alma e a mente. Que estão sempre lá na sombra mas que com o tempo, e com ajuda aprendi a geri-los da melhor forma. Nós estamos em construção e evolução toda a vida, e eu não baixarei os braços. Se um dia dou dois passos para a frente, e no outro tenho que recuar três, vou pensar e acreditar que no dia seguinte vou avançar para a frente, seja um, dois, ou três passos.
Isto significa ouvir o corpo, conhecer como o nosso corpo funciona e respeitar os seus limites. Vamos querer ir para além dos limites? A que preço? Vai valer a pena?
Isto significa saber parar quando é para parar.
Isto significa dosear quando quando a quantidade começa a ser grande.
Isto significa respeitar, aceitar, integrar, recuperar, abraçar por inteiro o ser único que cada um de nós é.
Isto significa ajudar que nos ajudem. Significa saber pedir ajuda quando é necessário. Porque quem nos ama vai estar lá para nos ajudar, e vai querer fazê-lo, seja de que forma for. Cada palavra, cada gesto contam. Tudo conta. E é no detalhe que tudo ganha outra dimensão. E é a essa nova dimensão que agarro, a dimensão da simplicidade da vida, da beleza dos detalhes. À dimensão de dizer sim quando tudo parece dizer não. À dimensão da paciência, da resiliência e da persistência. À dimensão do ser e sentir quem sou nesta ou noutra realidade, porque em ambas sou eu.

Vejo mais um dia a terminar, olho para o meu gato doido (Mukti), que repousa estrategicamente em cima de uma mantinha, com uma respiração suave e tranquila, sinto o silêncio em mim, e o silêncio lá fora a esta hora, e penso na sensação de conforto que isso me traz à alma, independentemente do resto.
Sabem a história do copo meio vazio ou meio cheio?❥

Photo by Manfred Legasto Francisco on Pexels.com

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