O que me trouxe a epilepsia

O tempo da faculdade aproximava-se do final e recordo-me de estar numa palestra, num anfiteatro pequeno e escuro, mas a verdade é que depois destes anos todos há muitas coisas que não me recordo, e me deixam dúvidas. A verdade é que passados estes anos todos há coisas que recordo como se fossem hoje. A verdade é que passados estes anos todos, diariamente aprendo coisas novas sobre mim, e sobre como viver melhor com a epilepsia.▽

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Nos dias mais turbulentos a sensação que tenho é a de viver com uma espécie de bomba relógio no cérebro. As crises epilépticas não marcam hora, nem dia, nem tão pouco local para acontecer. A maior aventura, além de gerir a imprevisibilidade do seu surgimento, é gerir todas as variáveis que têm o potencial para desencadear uma crise. Uma pessoa que, como eu, facilmente tende a entrar numa rigidez de processos, numa tentativa desenfreada de controlar tudo, quando calha desse rigor falhar, ou quando calha de acontecer algo que seja destabilizador, o sentimento de frustração e de culpa são devastadores. O jogo mental é muito exigente, mas óbvio que cada um de nós vai fazer essa gestão de uma forma muito própria. Eu levei algum tempo a criar alguma flexibilidade de mim para os outros, isto é, aquilo que funciona bem comigo com outra pessoa pode trazer o efeito contrário, e vice-versa. A minha verdade termina onde começa a verdade do outro, e o meu bem-estar começa dentro de mim e não fora. É difícil? Muito. Há dias em que tenho dificuldade em sorrir. Há dias em que choro muito, em que deixo que as emoções saiam cá para fora. E depois há aqueles dias em que o sol brilha cá dentro e em que sentir a gratidão pela vida é mais fácil. O mais desafiante é trazer esse sentimento de gratidão comigo diariamente, mas sobretudo nos dias menos bons. Porque é nesses dias turvos que mais facilmente nos perdemos de nós mesmos, e do nosso foco.

A epilepsia trouxe-me um caminho sinuoso de autoconhecimento. Aprender mais sobre mim, sobre o meu corpo, a minha mente, as minhas emoções. Aprender sobre o meu porquê e para quê. Ensinou-me verdadeiramente o significado da palavra aceitação, e de tudo o que ela em si encerra.
A epilepsia trouxe-me o despertar da minha consciência, de uma sensibilidade diferente para o meu mundo, e para o mundo exterior, de uma visão mais ampla, por vezes minuciosa mas ao mesmo simplista. Parece um contrassenso, mas o que está aqui subjacente é uma maior leveza e capacidade de apreciar o mais simples da vida, e a vida em si.
A epilepsia trouxe-me um caminho de valorização das experiências, em detrimento dos objetos, um caminho de valorização da compaixão e da empatia.
A epilpsia trouxe-me o maior desafio da vida, e sem hesitação o digo. Se por um lado considero que sou uma sortuda porque tenho uma variante da condição, que apesar de todas as dificuldades e obstáculos no caminho, me tem permitido ter uma vida com autonomia (ainda que com regras e limitações); por outro lado, aquilo que a minha epilepsia me trouxe foi uma mochila com muitas coisas para gerir: as crises epilépticas, os efeitos pós-crise, a medicação e as despesas de saúde, os efeitos colaterais da medicação, a avalanche de emoções, a ansiedade, e o lidar com a sua imprevisibilidade!


Todos os dias são importantes para cuidar da nossa saúde, que está implícita no cuidado de todos os órgãos do nosso corpo, todos sem exceção. Porque todos eles têm um papel fundamental no nosso equilíbrio físico, emocional e mental. Levei algum tempo a saber apreciar o ser que sou e a cuidar dele como necessita. O respeito, o amor e o cuidado têm que começar por nós mesmos, para o podermos espalhar a quem nos rodeia, e a quem se cruza no nosso caminho.❥


O amor e a dor são os impullsos fundamentais da vida. Ambos são ação, efeito, motivação e resultado do desenvolvimento do indivíduo.

Jorge Bucay, in O caminho da felicidade

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